1.7.08

Desova - parte um

Entrevista com Cecília Giannetti publicada nos extertores de 2007 no Gaveta e no jornal.

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Qual a sensação de levar o primeiro romance recém-saído do forno para a Flip desse ano? Qual sua avaliação do evento?
Adoro a Flip, é minha festa literária preferida. Lá posso ver quase todo mundo de quem gosto, com quem me comunico às vezes apenas por e-mail ao longo do ano, gente de outros estados, regiões, além de fazer amigos novos. Esse ano foi premiadíssimo quanto a isso. A festa propicia, mais que aprendizado e uma programação frenética com grandes autores, um encontro incrível. É pelo encontro que escrevemos, pensava o Sabino, fazendo coro com o Hélio Pellegrino. Escrevemos para o Encontro.
Ter sido convidada foi uma surpresa muito boa. Sentir que acreditaram num romance de estréia, isso me ajudou a aceitar melhor que tinha finalmente terminado de escrever aquele livro. E que estava na hora de começar a escrever o próximo, que será sobre Berlim. Foi muito bom poder conversar com o público durante e depois da minha mesa. Tem pessoas que me escrevem até hoje, enviando suas impressões sobre o livro e contando que o indicaram a amigos. É muito mais do que qualquer resenha em jornal ou revista pode fazer por você. Só esse contato direto com o leitor me tranquiliza em relação ao que escrevi. Sei que o autor tem que ser menos frágil que isso, ou menos fingir que é absolutamente seguro de tudo que escreve, mas às vezes um feedback é necessário, e eu tenho recebido esse feedback dos leitores. Quem mais importa? Faço questão de dar meus contatos: www.escrevescreve.blogger.com.br
Você ainda tem paciência para discussões sobre literatura digital/de internet?
Tenho. Evou ter até que a discussão acabe, porque vai, finalmente, ser aceita como a excrescência que é: Acabo de publicar um livro, pela Ediouro/Agir, “Lugares que não conheço, pessoas que nunca vi”, um romance que não é feito de posts de blog. Parece que saiu uma matéria na Entrelivros mesmo, que mencionava o título entre outros escritos por mulheres, mas se concetrava no sexo das autoras, não na obra.
Às respostas (o primeiro parágrafo, em que falamos de um objeto, que é um livro e nãoum blog, já conta como uma):
Apesar de não existir literatura on-line, literatura de internet ou literatura de blog, o assunto é recorrente. Existem blogs literários; existem sites jornalísticos dedicados à literatura (como o www.portalliteral.com.br, que edito); listas de discussão e fóruns on-line em que os usuários trocam opiniões sobre seus textos de ficção em críticas informais.
Há ainda iniciativas como a da editora inglesa Penguin Books, que lançou o blog A Million Penguins, no qual cada usuário cadastrado podia escrever um capítulo ou pedaço dele, e também reescrever partes desenvolvidas por outros usuários, resultando numa história totalmente criada pelos internautas. Mas não existe uma “linguagem de literatura de internet”. Pode existir, por exemplo, uma história que se desenvolve por meio de trocas de e-mails. Mas não passa de um romance epistolar ambientado no século 21. Ficções curtas em posts podem ser publicadas em papel, permanecendo como ficções curtas, sem qualquer prejuízo em relação ao original. E continuará não existindo a tal da literatura de blog. Não faço literatura digital. Não existe isso.
Por enquanto, o que existe é a internet como caminho para o escritor chegar ao leitor, às vezes antes que possa publicar em papel. Há dez anos, um autor jovem, desconhecido, não tinha meia dúzia de leitores fora de seu círculo de amizades. Hoje, se o que se produz on-line é interessante, em pouco tempo seu blog ganha pencas de leitores. Ou ao menos mais do que meia dúzia deles. E tudo isso antes que tenha um livro lançado.
Por outro lado, a web não encurta o caminho até a publicação – maioria dos editores não tem o hábito de fuçar blogs literários em busca de autores novos. Não existe a literatura on-line como genêro. Não existirá até que surjam histórias na web impossíveis de serem contadas no suporte livro – sob o risco de, impressas, virarem outra coisa que não é absolutamente o que se propunham ser na internet. Aí, caso se reconheça e popularize essa ocorrência extraordinária de literatura intransponível para o papel, valerá debater o surgimento de um novo nicho.
Qual o seu processo de trabalho para escrever as crônicas da Folha? Pesquisa o noticiário da semana?
Eu leio o noticiário mas não me prendo a ele. Justamente para não repeti-lo. Comento brevemente alguma coisa ou outra – como foi o caso do filme “Tropa de Elite”, um assunto que com certeza já cansou o público – mas comento em passant e com humor, como introdução cômica a alguma crônica mais leve. Uso a crônica leve quando percebo que o leitor tá de saco cheio de ler a mesma coisa em todas as seções de todos os jornais. Eu mesma já falei demais de violência e ações do BOPE no Rio de Janeiro antes do “tropa” ser pirateado. Então, pra mim, por exemplo, esse assunto já deu. No caso do acidente da Tam, a crônica foi martelada, doída, dolorosa. Todo mundo se sentia como eu, tive essa impressão pelos e-mails que recebi (e olha que meu e-mail não sai publicado na coluna). A coluna dizia que nós não existimos. Somos invisíveis. Somos nada. Porque, se algo desse porte acontece, e não há consequências, e os motivos são tão intrísecos quanto banais, e tanta gente morre, só posso concluir que não estamos aqui. Ninguém nos vê. A resposta a esse tipo de coluna é fantástica. Fico me sentido tão bem que penso em largar a análise. E aí acontece mais uma merda no país, de fazer tirar a calça pela cabeça, e eu volto pra análise de novo. E pras crônicas mais passionais.
Sua próxima publicação sairá sob o selo do projeto Amores Expressos. Berlim foi escolha sua? Quando sai o livro?
Comecei a escrever, se chama “Café Natal” e se passa em Berlim. Faz parte do projeto Amores expressos, coordenado pelo escritor João Paulo Cuenca e pelo editor e produtor Rodrigo Teixeira. Os autores não escolheram seus destinos. Berlim foi idéia do João. O livro sai quando estiver pronto. Tenho pavor de pressão. E quanto mais um editor me cobra, mais distante do livro me sinto. Gosto que me deixem quieta com ele. O blog do livro é http://blogdaceciliagiannetti.blogspot.com
E aproveito pra esclarecer uma bobagem: o projeto não recebeu qualquer verba da Lei de Incentivo, ao contrário do que aquela revista que costuma nos pregar peças (todos sabem que falo da Veja) e um escritor paulista que só fala de ereções mal-sucedidas alardearam na época. Recebemos dinheiro bom, de empresários que acreditam no projeto. É isso. Ninguém usou dinheiro do governo para viajar a outros países, pesquisar e escrever sobre eles.
Você costuma dar ouvidos aos críticos?
Que críticos?
E aos fãs?
Converso com leitores por internet, sempre que tenho um tempinho respondo os e-mails. É uma alegria. Sou lida. Que mais posso querer?
Qual a importância de um autor novo se mostrar, expor sua obra, ir a eventos e dar entrevistas?
Justamente o contato com o leitor. Quem me lê me conhece em parte. Quem conversa comigo pode conhecer mais um pouco. Quem acaba se tornando amigo, conhece outro lado. E por aí vai. Muitas amizades começam a partir dessa exposição. Eu sou interessada em amizades.
O que te dá tesão em escrever?
Discrepância, ruído, fios trocados, comunicação truncada, dúvidas, meus amigos, viagens, todas as dificuldades que a gente pode encontrar em todo tipo de relacionamento, animais, tempo. Quando eu tenho tempo, leio, e escrevo melhor.
Você já fez fanzine?
Já fiz fanzines, um deles se chamava Cliquè e foi – falta de modéstia – importante na época porque mudou design completamente, e a maneira como fazíamos as esntrevistas era bem louca. O designer do projeto fez meu livro, capa e ilustrações, e hoje atua em outros trabalhos, com a abertura d’A pedra do reino, assim como o livro do Suassuna ligado à minissérie e a exposição.
Cite três livros fundamentais na sua formação literária.
Sendo absolutamente sincera e sabendo que pouco ou nada disso reflete explicitamente no que escrevo, ainda: Franny & Zooey, Paris é uma festa, Complexo de Portnoy. Para ser mais que sincera, Salinger inteiro, Dorothy Parker, todo o ciclo vicioso do Algonquin nos anos 20, biografias e aquela merda toda, Hunter S. Thompsom, Jane Austen, Henry James, MACHADÃO, Lima Barreto, W. H. Auden. Não sou muito ilustrada ainda. Espero ter mais tempo para ler.

Um comentário:

Carol Almeida disse...

fi-nal-ly =D

but gimme more, I need more.