25.8.06

Possibilidades

Entrou em casa atrasado, aliás, como quase todos os dias. Já passava das seis, o que significava que teria pouco mais de duas horas para aprontar tudo, antes que ela chegasse. Sempre imaginou essa situação. Chegar antes dela, preparar o jantar com esmero, não falhar em nenhum detalhe. Não poderia falhar, não hoje, no dia de seu aniversário. Nos roteiros imaginários que criava em sua cabeça, o dia do aniversário dela recebia destaque especial, cuidados de uma superprodução. Foi direto para a cozinha.

Guardou o vinho. Duas garrafas. Retirou o congelado. Colocou-o no forno, fogo alto. Preparou a salada: lavou, fatiou, misturou, temperou, misturou novamente. Mesmo atrasado, conseguia se concentrar em cada tarefa que executava. Gostava de cozinhar. Gostava ainda mais de cozinhar para ela, degustadora oficial de suas experiências culinárias. Terminou a salada. Desligou o forno. Ligou para a padaria, encomendou a torta. Foi tomar banho.

Já passava das oito. Qual camisa vestiria? A verde ou a vermelha? Um pouco de perfume, não muito. Batem à porta. A torta chegou. A coloca na mesa, compondo um cenário perfeito, pensava. Como gostava de agradá-la, constatava. Também, não era tão difícil assim. Pensava consigo mesmo, agora, que cumpriu a missão a tempo, que não era o jantar de aniversário mais bem elaborado de todos os tempos. Qual o segredo de esquentar um prato no forno e preparar uma simples salada? Pronto, tinha conseguido ficar inseguro. O que ela acharia, afinal? Se fosse menos do que ela esperava, perceberia imediatamente ou seria enganado com êxito? Ela conseguiria disfarçar uma possível frustração? Era tarde para mudar, pensar em algum plano alternativo. A qualquer instante ouviria o barulho da chave na porta, barulho que ambos adoravam escutar. Passava de oito e meia.

Ainda estava dentro do prazo. Não era tão tarde assim. Devem ter feito algo no trabalho para comemorar a data, poderiam até ter saído pra tomar algo, mas, com certeza, não demoraria. Mas deveria ter ligado, pensou ele, tentando esquecer de sua insegurança e atendo-se a outras questões, tentando torná-las mais importante. Pensou em como estava sendo aquele ano para os dois, o primeiro morando juntos. Já fazia oito meses que haviam decidido dar o passo mais importante até então. Depois de três anos, enfim morar juntos. Ele fez o convite, apreensivo com a resposta. Ela aceitou na hora, eufórica com a idéia. Ele que teve que se mudar, saindo da casa dos pais para o apartamento em que ela já vivia, o que o fazia sentir-se um pouco dependente. Era como se ela lhe tivesse feito um favor, lhe tirado da casa dos pais. Era como se ele tivesse forçado a barra ao fazer-lhe o convite. Teria ele adiantado as coisas? Teria mesmo forjado aquela situação, na pressa de tornar seu sonho romântico realidade? Estava pensando demais. Estava atrasada demais. Nove e meia.

A demora para que chegasse já era prolongada. Uma hora e meia além do normal. Deveria ligar. Ligou. Ela não atendeu. Poderia não ter ouvido. Ligou novamente. De novo ela não pôde ouvir. Em sua cabeça, traçava o roteiro imaginário para o que acontecia. Será que acontecia? Tinha ido a um bar, com as colegas do trabalho, levada por elas. Só amigas? O barulho peculiar de um bar movimentado, onde todos falam e ninguém se entende, não a deixou ouvir o celular. Mandar mensagem seria ser chato demais, e não ouviria do mesmo jeito. Seria frio. Soaria possessivo, o que não queria ser, muito menos transparecer. A preocupação já tinha tomado forma e seus pensamentos. Mas não preocupação por ela, o que teria acontecido com ela, e sim consigo, com o planejamento da noite que começava a ser prejudicada. A noite deles. Quando chegasse, estaria muito irritado para comemorações. Se chegasse. Começava a frustração. Dez e meia.

Não entregou os pontos, não deixou a dúvida e o desânimo vencerem, ainda. Ligar mais uma vez. Telefone desligado. Ela teria desligado para não ser incomodada? Por ele? Foi até a mesa, olhou para o cenário que tinha construído. Agora tinha um ar tão melancólico, perdido a áurea romântica meticulosamente criada. Não sabia o que fazer, não tinha mais possibilidades. Se entregaria a neurose de imaginar o que estava acontecendo, se renderia ao ciúme, ao sentimento de posse. Ela não poderia comemorar seu aniversário sem ele, sem avisar. Sentia-se desconfortável, em um lugar que não era o seu, numa vida que não lhe pertencia. Sentimento amargo de decepção. Dia perdido. Meses perdidos? Pôr oito meses, três anos em jogo, por causa de uma noite. A noite mais importante. Era o momento de repensar a história dos dois. Parecia ter tomado uma decisão. Retirou a mesa. Desfez o cenário.

Meia-noite, toca o telefone. É ela, pensa imediatamente. Deixa tocar duas, três, quatro vezes, a faz esperar do outro lado da linha. Não atende. Vingança idiota. Começa a tocar novamente. Desiste do plano de fazê-la esperar. Desiste de fugir. Atende. Escuta. Responde. Não entende, pergunta. Ouve, não quer ouvir. Não quer acreditar. A garganta seca, a perna treme, o céu desaba. Não pode acreditar, não pode ser. Como pôde não pensar nisso. É muito pior. Vai correndo para o hospital.

24.8.06

Eu sou um cão abandonado

Sim, eu sou um cão abandonado. Largado em meio a revistas velhas e copos vazios. A solidão veio me visitar. E eu abri a porta. De repente me vi só, me senti só. Apesar de gostar, até procurar em certos momentos – e conseguir com êxito, vejam só – fazia muito tempo que isso não acontecia. Sempre tinha algo a fazer. Com alguém.

A namorada tinha que ajudar a mãe a fazer nãoseioquê. E lá foi ela. Os amigos, ocupados, cansados, preocupados, preguiçosos. “Vamo se vê amanhã!” “Vamo fazê algo na sexta!”. E de repente, eu e a casa vazia, só pra mim.

“Já sei! Vou passar a tarde bebendo e assistindo filmes b!” Nada melhor para uma ensolarada tarde de terça-feira? Não, nada melhor. E lá vou eu na esquina comprar minha primeira porção de álcool sozinho. Sem ninguém do lado pra me esconder. “Coragem e não olha nos olhos do caixa” gritava o diabinho sentado no meu ombro esquerdo. O anjo do outro lado já tinha se mandado há séculos, caso perdido.

Vejo um filme, encho a cara, leio algumas páginas que me mandaram e, finalmente, diante do pôr-do-sol (o pôr-do-sol da minha casa é imbatível) me ponho a escrever. A tentar, ao menos. Esse era meu plano às duas da tarde. Sento diante do computador às oito. E nem estou bêbado. Não tinha pra quê mesmo.

Vi um filme repetido, li o que já tinha lido pela manhã, – e não foi nenhum livro da pilha que só faz crescer ao lado da minha cama - me agarrei ao telefone tentando matar o tempo, confessando que desaprendi a ficar só, comigo mesmo. Tenho um mês inteiro pela frente pra reaprender.

Incrível nossa insatisfação com a vida. Sempre queremos mais. Ou o contrário. Ou o diferente. Quando estamos rodeado de pessoas e compromissos queremos paz. Quando a solidão nos maltrata e nos coloca diante do espelho (clichê besta) queremos estar no olho do furacão, agitando e sendo agitado. E isso tá parecendo texto de auto-ajuda...
Páre agora!
How to fight loneliness ?
Smile all the time...
[wilco]

23.8.06

Bate Outra Vez


Eu sei, amor. Estais aí. Aqui. Dentro do meu coração. E nunca sairá. Não se faça de vítima. Não vá para a sarjeta. Não tome o meu lugar de direito. Afinal, é minha a vocação de ser “gauche” na vida. Cansei de gastar o seu tempo. O anjo torto não me deu coragem pra tamanha pretensão. Chame-me de idiota, como fazíamos quando ríamos de nós mesmos. Falta coragem pra ser feliz. Você soube que eu tentei?
Sou o imperfeito manipulador sádico.

E o que fazer quando não te quero mais aqui? O teu cheiro na minha cama. O teu gosto no meu corpo... Impossível entendimento. Abdico do direito. De todos. Nunca mais. Sem sonhos, sem tropeços. Rasgo as cartas. Despedaço as flores que me dei um dia pensando no cenário que idealizei. Mas ah, quanta tolice. Fúria leviana. Cinco minutos e tudo mais uma vez. Volta. Não foi. Não vá.

Volto pra esquina com um novo buquê nas mãos. Esperança maldita que não consigo exterminar. Loucura patética e doentia; e qual não é? Esperança que tu me vejas de volta, de novo, sem revolta. Vontade de olhar aqueles olhos tristes refletidos nos meus.
Agora, amor, já não temos as amarras de antes. Caminho ladrilhado com esmero. Chances de queda existem, é bem verdade, mas o que é a vida sem o prazer lancinante do risco? E o que sou eu sem você?

Quero ser livre sem as amarras de antes. Intenso. Amor verborrágico. Sem medo de ser infeliz. Sem medo de ser. Vem ser comigo, você. Vem?


Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhava meus sonhos
Por fim

[Cartola]