3.7.08

Desova - parte dois




Por dentro da árvore-mãe


Imagine-se dentro de uma floresta. Uma floresta de árvores musicais. Cada uma com galhos e folhas mais espessos que a outra. Assim pode ser retratada a música pop produzida nos Estados Unidos e na Inglaterra nos agitados anos 60. Em junho de 1967 surgiu a árvore mais frondosa que iria redefinir todo o destino da floresta. "Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band – Um ano na vida dos Beatles e amigos", do jornalista inglês Clinton Heylin traça a trajetória da mais cultuada e estudada obra da discografia dos quatro rapazes de Liverpool, os Beatles.

O autor não vê apenas a árvore-mãe, mas sim a floresta inteira, que compunha um cenário musical efervescente impulsionado por LSD (o ácido lisérgico) e experimentalismos do fim dos anos 60. O livro traça de perto os bastidores do trabalho não só dos Beatles, mas também das outras bandas que competiam para ver quem expandiria as fronteiras do que então era classificado apenas como música pop: Bob Dylan, os californianos dos Beach Boys e The Byrds e os ingleses que começavam a despontar, o Cream do jovem Eric Clapton e o Pink Floyd liderado por Sid Barret (1946 – 2006).

O livro coloca-nos dentro dessa corrida psicodélica em 1967. Vamos à Los Angeles iluminada pelos primeiros raios da contracultura e do movimento hippie; e à Londres dos estúdios de Abbey Road, onde os Fab Four entraram em novembro de 1966 para gravar o sucessor de Revolver (disco preferido do autor). O resultado? Cinco meses e mais de 700 horas de gravação depois estava erguida a obra que apesar de não ser explicitamente conceitual – o que muitos críticos afirmam até hoje – consolidou o formato de álbum de rock, o que ainda não existia numa época onde as gravadoras selecionavam e montavam os LP’s com pouca ou nenhuma participação das bandas ou artistas.

A importância do disco, segundo Clinton, está justamente no controle que a banda e o produtor George Martin exerceram sob a sua produção desde o início. Condição esta avalisada por três anos de sucesso e febre mundial ininterruptos potencializados ao máximo pela gravadora e seus executivos vorazes. A gravação de Sgt. Pepper representa o ponto de virada nessa estrutura e sinaliza uma transformação que já se esboçava desde o disco Rubber Soul, de 1965, e que na verdade continuou em curso até a separação do grupo, em 1970. Cresceram não só as cabeleiras, mas também os egos e as tensões provenientes das novas influências de cada um. Eles ainda não sabiam, mas a partir de Pepper e seu intrincado mosaico de referências – desde a capa inovadora até a catarse da última faixa, “A Day in the Life” – o sonho começava a acabar.

Musicalmente, o disco é o resultado final de todos os experimentos sonoros possíveis que um estúdio podia oferecer à época; excessos que lhe conferiram um certo ar barroco em alguns momentos e um todo desigual. “Um álbum com doze canções (uma é reprisada), algumas realmente magníficas, a maioria apenas bem composta, e uns dois tapa-buracos [...]”.

O livro contextualiza esse processo e traz a tona todas as etapas da “saga”. O início claudicante, a presença imprescindível de George Martin na direção musical, o domínio de Paul, a tristeza de um John (1940-1980) infeliz com o primeiro casamento e imerso em doses de ácido, e o crescente descontentamento de George Harrison (1943-2001) com o pouco espaço dado às suas composições. Não faltam detalhes técnicos de cada faixa, do número de instrumentos utilizados, até as datas e horários de cada gravação. O autor esforça-se em mostrar a repercussão na mídia e junto aos outros “competidores”. É interessante observar como a glorificação do disco, automaticamente rotulado como revolucionário e “o melhor de todos os tempos” pela imprensa inglesa, foi substituída pela raiva e negação do passado do movimento punk dez anos após seu lançamento, em 1977, e só no final da década de 80 teve seu prestígio recuperado, processo esse alavancado por toda a onda de relançamento do catálogo da banda para o formato CD, que chegou ao auge em 2007, no seu aniversário de 40 anos.

É nessa análise da recuperação da glória perdida pelo tempo que Clinton Heylin foca atenção em ataques desnecessários a outros jornalistas e críticos musicais, além de detonar a maioria das famigeradas listas de melhores álbuns de todos os tempos, que proliferaram na virada do século e laureavam Sgt. Pepper por qualidades sonoras que o autor afirma não estarem condensadas no disco. Heylin é categórico ao afirmar que o excesso de idéias e conceitos foi determinante para que este não seja considerado o disco primordial dos Beatles. O seu mérito, inegável, está em condensar numa ousadia orquestral e no clima enigmático de suas letras toda a avalanche de transformações não só na musica popular, mas na cultura mundial como um todo. Paul McCartney, em depoimento relatado no livro, reverbera a teoria do “lugar certo na hora certa” do disco. “Em termos de relevância, é impossível continuar a fazer Pepper a vida toda. Ele tocou as notas certas, na época certa. Era estranho, esquisito e imensamente popular. Mais do que marcar, foi o álbum que sintetizou uma época. Pepper era algo de uma inevitabilidade absoluta. Tinha de acontecer. A mentalidade vitoriana dentro da qual fomos criados não podia dar em outra coisa senão nessa festa.”

Um comentário:

Carol Almeida disse...

tô gostando de ver issaqui.
o texto? já comentei pessoalmente.

orgulho.

=@