24.3.08

Mofo

Taí, achei que iria demorar pra chegar ao ponto de esquecer um texto medíocre nos escombros dos meus arquivos. Esse que segue seria pra sequência de um projeto impresso que não vingou. Talvez melhor não ter lembrado, talvez. Se me lembro bem, a idéia era transmitir o enfado de uma rotina qualquer, num texto, portanto, enfadonho de se ler. Deus, como alguém pode ter uma idéia dessas e achar crível? Como distanciamento nunca foi matéria forte por aqui, deu nisso:


***


Acordar. Desistir. Acordar. Desistir de novo. Levantar. Tropeçar até o banheiro. Lavar o rosto, escovar os dentes. Desistir do banho, água muito fria. Vestir a calça de ontem, a camisa menos fedida, os tênis de couro, porque não pára de chover. Duas gotas de perfume, o creme para as espinhas. Sai correndo. Volta, pega as chaves. Agora sim, atrasado.

Ônibus parado, corre. Ônibus saindo, corre mais. Alcança o ônibus lotado, se espreme até o Centro. O Centro sujo. Chega atrasado, a meia hora de sempre. Vai até sua sala. O pessoal de sempre, o bom-dia mecânico. Olha os jornais, aquela olhada mecânica. Checa os e-mails, faz dois telefonemas, deixa recados, recebe recados, anota recados. Escreve um texto, nota besta. Assim, mecanicamente. Manda o texto via internet. Agora só faltam as fotos.

Faz as fotos, coisa pequena e sem importância. Envia as fotos. Tudo on-line. Meio do expediente, ainda. Pega o livro velho, sempre um livro na bolsa. Ajuda, e muito, nessas horas. Lê, lê, lê muito, como se fosse a última coisa que lhe restasse. Dá resultado. Meio-dia. Fim do expediente. Vai embora. E vai correndo, pra variar. Mais um ônibus cheio, pra variar. Agora é um calor inconcebível. Faculdade lá na casa do cacete. Chega já querendo sair.

Come um troço gorduroso. Fuma um cigarro. Joga conversa fora. Se arrasta até a sala da Aula Chata. A aula do Professor Horrendo. Fica meia hora, vai dar uma mijada, fumar outro cigarro, fazer uma ligação. Volta pra sala. Mais uma hora de tortura e piadas ridículas do Professor Horrendo. Vai embora correndo, fugindo, papeando com os amigos, ou com quem está por perto.

Pragueja mais uma vez contra o transporte público municipal. Pragueja contra essa vida besta. Volta pra casa, cansado de não fazer nada. Perde mais tempo na rua com as coisas desimportantes do que fazendo algo que verdadeiramente curta.

Chega em casa morto de fome. Limpa a geladeira. Liga a TV. Se refestela. Tenta folhear uma revista da pilha que cresce assustadoramente ao lado cama. Não dá, as letras se embaralham e formam desenhos obscenos que invadem sua mente torpe. Aquele filme bacana daqui a 15 minutos, vai dar pra ver sim. Cai no sono. Acorda duas horas depois. Cambaleia até o quarto, se joga na cama. Cansado de não-se-sabe-o-quê. Se reconhece um garoto mimado reclamão. "Vai viver, seu trouxa!", pensa. Não dá, muito sono. Prisão confortável essa.

Amanhã?

2 comentários:

poetisanavegante disse...

está nostálgico?

carla castellotti disse...

porra,
eu adorei esse txt.

porque tenho sentido isso todo dia.
até quando vai valer a pena? eu só queria poder pensar q aguentar essas coisas poderiam me dar o passaporte de um dia poder ser um vagabundo sossegado.